Recanto Laguna
 



Contos

Recanto Laguna

Ana Lucia Santana


A mãe do Léo abriu a porta. Botou a mão na cintura e ficou me encarando uma pá de tempo. Só então, ela gritou:

- Leonardo, o Chulé está aqui.

- Manda ele entrar.

Fiquei com medo da dona Laysa me deixar no vácuo, me fazer esperar mais ainda. Entrei depressa. No fundo, eu queria saber por que é que ela me tratava daquele jeito. Por que fazia cara de bosta ao topar comigo.

Dava vontade de perguntar pra ela se pensava que eu não sabia de suas saídas com maridos das outras mulheres do condomínio. Mas não podia, o Léo é meu melhor amigo e ninguém merece ter uma mãe escrota.

O Léo, aliás, leva a vida que a maioria dos meninos do prédio gostaria de ter. Dorme numa cama forrada com colcha do Ben 10 e do Homem-Aranha. Ele reclama. Diz que não é mais criança, mas a mãe dele nem liga. No quarto, que é só dele, tem televisão, computador e vídeo game.

- E aí, mano? – Ele riu. Um olho em mim o outro na tela do computador.

- Suave na nave.

- Senta aqui. Vem ver que máximo.

Fiquei curioso. O que será que ele queria me mostrar?

Lá em casa, o pau quebrava. Meu pai tinha perdido outro emprego e minha mãe não parava de xingar. Esfregava na cara dele as contas atrasadas. Mostrava o armário de comida quase vazio. Saí de fininho pra não ver o fim da briga. Eu sabia como aquilo terminava. Sempre a mesma coisa. Quando se enchia, meu pai acertava a minha mãe com soco e pontapé. Depois partia pra cima de mim e das minhas irmãs. Quando não tinha mais em quem bater, começava a destruir o que era nosso.

O Youtube mostrava um condomínio chique, do outro lado da cidade. Nem sei por que é que o Léo queria que eu visse aquela baboseira. Casa com piscina. Pai, mãe, filho, a família inteira pedalando bike importada. Uma gente bronzeada falava como era bom morar ali. Fiquei olhando aquele monte de imagem do Recanto Laguna. Pensava na gritaria lá de casa, que ficava cada vez mais alta. Não custava nada pro Léo me perguntar o que era e eu ia ter que inventar outra desculpa. Não podia dizer que meu pai não passava de um filho da puta, e que, se dependesse dele, eu só ia pisar no Recanto Laguna pra limpar a piscina, podar o jardim ou recolher o lixo.

- Tira isso daí, parça. Vamos jogar-pedi.

- Cara, eu faria tudo pra morar neste lugar. - Os olhos dele brilhavam.

Eu não duvidava do Léo se mudar pra um lugar daquele, algum dia. O moleque teve a sorte do pai morrer antes dele nascer. Acidente de trabalho. E desde este tempo, recebia pensão e presentão no Natal e no Dia das Crianças. Não era à toa que ele só usava tênis de marca.

A gente não jogou nada. Viu mais uns vídeos e depois eu saí fora. Dona Laysa estava na sala experimentado anel. Nem ergueu a cabeça quando eu passei. “Vaca”.

Subi a escada, segurando o passo. Os meninos do “corre” vendiam pedras e outras drogas no corredor do quinto andar. Não perderam a chance de me zoar só porque eu ajudo a minha mãe.

-E aí, Chulé. Vai catar umas latinhas hoje?

Em casa, deitado na única cama que ele não tinha quebrado, meu pai roncava feito um porco. Não tinha mais ninguém. Fiquei olhando pra cara dele.

Voltei nos meninos do corredor e perguntei como é que eu conseguia uma arma.

 

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